sábado, 28 de novembro de 2015

Resenha "Perdão, Leonard Peacock" do Matthew Quick


  Fala Galera, beleza? Hoje voltei com uma resenha do Matthew Quick um dos meus autores favoritos. 
  Perdão, Leonard Peacock conta a história de Leonard, um garoto desapontado com a vida e com vontade de se matar. Porém, antes de se matar, ele quer deixar um "presente" para cada pessoa que marcou a sua vida, podendo ser um marco ruim ou bom. Ao longo do seu "Dia do Julgamento", ele entrega os presentes e ao mesmo tempo conta porque aquela pessoa marcou a vida dele. O desenvolvimento do livro é muito parecido com o do " O Lado Bom da Vida". Uma parte bem interessante do livro são as notas do editor, que não são do editor e sim do Matthew Quick, e elas não são só uma pequena explicação mas contam muito da história. Algumas são imensas e é muito interessante.
Intrínseca
 Sou meio suspeito pra falar desse livro, pois sou muito fã de Matthew Quick, mas é notável a repetição de erros presentes em "O Lado Bom da Vida", que são basicamente a repetição de acontecimentos desnecessários. Mas novamente, essa repetição não chegou a me incomodar, pois os fatores bons do livro superam essa redundância. O Leonard é um personagem muito bem desenvolvido, não só ele, mas os personagens secundários também, um marco nos livros de Matthew Quick. Além disso, essa história daria um filme fenomenal como "O Lado Bom da Vida". No final eu dei 4 estrelas para esse livro e é muito recomendado
 Então, já leram algum livro do Matthew Quick?

Nós choramos pelo Cão-tinhoso

  Fala galera, beleza? Estou um pouco sumido e afastado, e para compensar, mostrarei pra vocês um texto bastante curioso que gostei muito de ler, chamado Nós Choramos pelo Cão-tinhoso, do escritor Ondjaki (pseudônimo de Ndalu de Almeida). Ele é um pouco difícil com palavras desconhecidas, mas nada que um dicionário não resolva.

 Foi no tempo da oitava classe, na aula de português.
 Eu já tinha lido esse texto dois anos antes mas daquela vez a estória me parecia mais bem contada com detalhes que atrapalhavam um pessoa só de ler ainda em leitura silenciosa - como a camarada professora de português tinha mandado, Era um texto muito conhecido em Luanda: "Nós matamos o Cão-tinhoso".
 Eu lembrava-me de tudo: do Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas penduradas do Cão-tinhoso. Nunca me esqueci disso: Um cão com feridas penduradas. Os olhos do cão. Os olhos de Isaura. E agora de repente me aparecia tudo ali de novo. Fiquei atrapalhado.
 A camarada professora selecionou uns tantos para a leitura integral do texto. Assim queria dizer que íamos ler o texto todo de rajada. Para não demorar muito, ela escolheu os que liam melhor. Nós, os da minha turma da oitava, éramos 52. Eu era o número 51. Embora noutras turmas tentassem arranjar alcunhas para os colegas, aquela era a minha primeira turma onde ninguém tinha escapado de ser alcunhado. E alguns eram nomes de estiga violenta.
 Muitos eram nomes de animais: havia o Serpente, o Cabrito, o Pacaça, a Barata-da-Sibéria, a Joana Voa-Voa, a Gazela, e o Jacó, que era eu. Deve ser porque eu mesmo falava muito nessa altura. Havia o É-tê, o Agostinho Neto, a Scubidu e mesmo alguns professores também não escapavam da nossa lista. Por acaso a camarada professora de português era bem porreira e nunca chegamos a lhe alcunhar.
 Os outros começaram a ler a parte deles. No início, o texto ainda está naquela parte que na prova perguntam qual é e uma pessoa diz que é só introdução. Os nomes dos personagens, a situação assim no geral, e a maka do cão. Mas depois o texto fica duro: tinham dado ordem a um grupo de miúdos para bondar o cão tinhoso. Os miúdos tinham ficado contentes com essa ordem assim muito adulta, só uma menina chamada Isaura afinal queria dar proteção ao cão. O cão se chamava Cão-tinhoso e tinha feridas penduradas, eu sei que já falei isso, mas eu gosto muito do Cão-tinhoso.
 Na sexta classe eu também tinha gostado bué dele e eu sabia que aquele texto era duro de ler. Mas nunca pensei que umas lágrimas pudessem ficar tão pesadas dentro duma pessoa. Se calhar é porque uma pessoa na oitava classe já cresceu um bocadinho mais, a voz já está mais grossa, já ficamos a toda hora a olhar as cuecas das meninas "entaladas na gaveta", queremos beijos na boca mais demorados e na dança do slow ficamos todos agarrados até os pais e os primos das moças virem perguntar se estamos com frio, mesmo assim em Luanda a fazer tanto calor. Se calhar é isso, eu estava mais crescido na maneira de ler o texto, porque comecei a pensar que aquele grupo que lhes mandaram matar o Cão-tinhoso com tiros de pressão de ar, era como o grupo que tinha sido escolhido para ler o texto.
 Não quero dar essa responsabilidade na camarada professora de português, mas foi isso que pensei na minha cabeça cheia de pensamentos tristes: se essa professora nos manda ler esse texto outra vez, a Isaura vai chorar bué, o Cão-tinhoso vai sofrer mais uma vez e vão rebolar no chão e rir do Ginho que tem medo de disparar por causa dos olhos do Cão-tinhoso.
 O meu pensamento afinal não estava muito longe do que foi acontecendo na minha sala , no tempo da oitava classe, turma dois, na escola Matu Ya Kevela, no ano de mil novecentos e noventa: quando Scubidu leu a segunda parte do texto, os que tinham começado a rir só para estigar os outros, começaram a sentir o peso do texto. As palavras já não eram lidas com rapidez de dizer quem era o mais rápido da turma a despachar um parágrafo. Não. Uma pessoa afinal e de repente tinha medo do próximo parágrafo, escolhia bem a voz de falar a voz dos personagens, olhava para a porta da sala como se alguém fosse disparar uma pressão de ar a qualquer momento. Era assim na oitava classe: ninguém lia o texto do Cão-tinhoso sem ter medo de chegar ao fim. Ninguém admitiu isso, eu sei, ninguém nunca disse, mas bastava estar atento à voz de quem lia e aos olhos de quem escutava.
 O céu ficou carregado de nuvens escurecidas. Olhei lá para fora à espera de uma trovoada que trouxesse uma chuva de meia-hora. Mas nada.
 Na terceira parte até a camarada professora começou a engolir cuspe seco na sua garganta bonita que ela tinha, os rapazes mexeram os pés com nervoso miudinho, algumas meninas começaram a ficar de olhos molhados. O Olavo avisou: "quem chorar é maricas então" e os rapazes todos ficaram com essa responsabilidade de fazer uma cara como se nada daquilo estivesse a ser lido.
 Um silêncio muito estranho invadiu a sala quando o Cabrito se sentou. A camarada professora não disse nada, Ficou a olhar para mim. Respirei fundo.
 Levantei-me e toda a turma estava também com os olhos pendurados em mim. Uns tinham se virado para trás para ver bem o minha cara, outros fungavam do nariz tipo constipação de cacimbo. A Aina e a Rafaela que eram muito branquinhas estavam com as bochechas todas vermelhas e os olhos também. O Olavo ameaçou-me com o dedo dele a apontar para mim. Engoli também um cuspe seco porque eu já tinha aprendido há muito tempo a ler um parágrafo rapidamente antes de o ler em voz alta: era aquela parte do texto em que os miúdos já não tem pena do Cão-tinhoso e querem lhe matar a qualquer momento. Mas Ginho não queria. A Isaura não queria.
 A camarada professora levantou-se, veio devagar para perto de mim, ficou quietinha. Como se quisesse me dizer alguma coisa com o corpo dela ali tão perto. Aliás, ela já tinha me dito, ao me escolher para ser o último a fechar o texto, e eu estava vaidoso dessa escolha, o último normalmente era o que lia mesmo bem. Mas naquele dia, com aquele texto, ela não sabia que em vez de estar a me premiar, estava a me castigar nessa responsabilidade de falar do Cão-tinhoso sem chorar.
 -Camarada professora - interrompi numa dificuldade de falar - Não tocou para a saída?
 Ela mandou-me continuar. Voltei ao texto. Um peso me atrapalhava a voz e eu nem podia só fazer uma pausa de olhar as nuvens porque tinha que estar atento aos texto a às lágrimas. Só depois o sino tocou.
 Os olhos de Ginho. Os olhos de Isaura. A mira da pressão de ar nos olhos do Cão-tinhoso com as feridas dele penduradas. Os olhos do Olavo. Os olhos da camarada professora nos meu olhos. Os meus olhos nos olhos da Isaura nos olhos do Cão-tinhoso.
 Houve um silêncio como se tivessem disparado bué de tiros dentro da sala de aulas. Fechei o livro.
 Olhei as nuvens.
 Na oitava classe, era proibido chorar na frente de outros meninos.